Para obedecer ao isolamento social, medida crucial na contenção da Covid-19, o agronegócio teve de apertar o passo da digitalização. Processos que poderiam levar
anos aconteceram em meses.

Diferentemente de uma significativa parte da população brasileira, o produtor rural não teve a opção de trabalhar em home office para se proteger e evitar a propagação da Covid-19. Seu escritório é junto às lavouras e às criações, então a solução foi adotar todas as medidas preventivas necessárias e ir a campo. Quem está direta ou indiretamente envolvido com sua rotina também entrou nesse batidão – fornecedores de produtos e serviços, assessorias técnicas, consultorias, instituições de ensino, organizadores de eventos e tantos outros. Como consequência desse esforço coletivo, houve forte aceleração no processo de digitalização do agronegócio. A tecnologia se tornou a melhor saída para encurtar as distâncias, otimizar o tempo, reduzir custos, aproximar gerações e reafirmar a capacidade de resiliência do meio rural.

Essa progressão já vinha sendo intensificada, de acordo com a sétima edição da Pesquisa Hábitos do Produtor Rural, realizada pela ABMRA (Associação Brasileira de
Marketing Rural e Agronegócio), em parceria com o Informa Economic Group (IEG/FNP), e divulgada em 2017. Entre os mais de 2,8 mil entrevistados, 96% tinham celular, dos quais 61% eram smartphones. Sobre a exposição aos meios de comunicação, 42% confirmaram ter acesso à internet. E desses, quase que a totalidade (96%) usava o aplicativo de mensagens WhatsApp, 67% a rede social Facebook e 24% o YouTube. Outro dado significativo mostrou um lado mais conservador que já deve ter
sido alterado durante a pandemia: 53% dos entrevistados com acesso à internet afirmaram não ter feito cotação pelos meios digitais.

Três anos depois, novo estudo pela consultoria McKinsey aponta que 85% dos entrevistados usam o WhatsApp diariamente para resolver assuntos ligados à agricultura, mesmo nos grupos de menor alfabetização. E 71% usam canais digitais para questões ligadas à fazenda (leia reportagem sobre o trabalho a seguir). A mesma pesquisa indica que um nível de digitalização maior entre produtores rurais brasileiros do que entre os americanos.

“O setor já vinha se digitalizando, com o objetivo de ter mais produtividade e sustentabilidade”, diz Daniela Ferreroni, diretora da ABMRA e gerente de Serviços de
Marketing e Sustentabilidade da Basf Crop Protection. “Esse momento traz a chance de acelerar tudo isso. As oportunidades surgem em diversas frentes, como produção, comunicação, comportamento de compra, e já estavam sendo desenhadas.”

“A Covid não mudou tendências, o que aconteceu foi uma acentuação brutal da velocidade de transformação do que já vinha acontecendo”, afirma Paulo do Carmo
Martins, chefegeral da Embrapa Gado de Leite. Martins é um entusiasta da tecnologia e está à frente de um dos projetos da Embrapa Gado de Leite para exatamente estimular o surgimento de inovações para o setor lácteo, o Ideas for Milk. O evento se tornou uma plataforma de lançamento de startups e uma oportunidade para jovens empreendedores, que ganham ainda mais relevância nesse período de pandemia por apresentarem ideias que otimizam a rotina de trabalho dos pecuaristas e da cadeia como um todo.

O projeto está bastante voltado para dois fatores essenciais na pecuária atual, a inteligência e a precisão. “São necessários dados para as tomadas de decisão e o pecuarista deve ser cirúrgico em suas escolhas. Essa junção exige da gente o mundo digital, e precisamos ter nas fazendas de leite o órgão mais sensível que é o smartphone”, afirma Paulo. Ele acrescenta ainda que a fazenda precisa estar no celular porque resolve três problemas primordiais: reduz as chances de erros nas muitas decisões que o produtor deve tomar durante o dia, permite a previsão de cada situação com mais inteligência e decisão e reduz a incerteza nas fazendas. “Sem contar que contribui para a permanência dos jovens nas fazendas.”

A digitalização da gestão das fazendas tem uma relação direta com o aumento de lideranças mais jovens no meio rural. No entanto, a maior parte dos entrevistados na última edição da pesquisa da ABMRA estava na faixa entre 41 e 60 anos. “O Brasil é um país continental, então o avanço da tecnologia e a adesão às inovações têm forte ligação com o rejuvenescimento da população no campo. E a simplificação da tecnologia vai diminuir essa distância, como o uso de smartphones e de aplicativos
como o WhatsApp”, comenta Daniela.

Para o coordenador do Núcleo de Agronegócio da ESPM (Porto Alegre, RS), Ernani Carvalho da Costa Neto, a Covid-19 acabou abrindo espaço para a voz dessas novas gerações, por estarem mais familiarizadas com a digitalização. “No Brasil, o principal tomador de decisão está numa faixa acima dos 55 anos, e não é uma geração digital. Mas é o mundo do pessoal na faixa dos 35 anos. Eles têm o conhecimento, mas seu desafio maior ainda é convencer os pais de que é interessante implantar uma nova tecnologia”, afirma. E estavam preparados quando a pandemia chegou e foi necessário substituir as negociações presenciais pelos contatos virtuais. “Algo que iria acontecer em três ou quatro anos está sendo antecipado, até porque as gerações mais velhas também vão começar a buscar isso”, acrescenta Ernani.

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Data do artigo: 1º de setembro de 2020

Artigo escrito por: André Sollitto e Romualdo Venâncio

Referência da imagem: plantproject.com.br